A Luzitana chegou no dia de Maria Madalena
Sem grandes planos, mas sabendo que hoje íamos iniciar as viagens peregrinativas pela Luzitana, entre mulheres.
Mas o dia de hoje já começou há algum tempo atrás.
Os livros impressos para serem entregues e enviados a quem os pré-comprou e para todas e todos que os queiram ler, tinham chegada prevista no dia 10 de Julho. Esperei ansiosa! Mal podia esperar, depois de tantos testes, erros de impressão e no corte, acréscimos nos textos, melhorias aqui e ali, que eles chegassem e que os pudesse começar a distribuir.
Mas entre faltas de comunicação, erros de envio de contactos e preguiça do transportador, o assunto ficou resolvido! Ontem, dia 21 de Julho, chegaram a Côja. Para não fazer duas viagens e porque iria sair hoje, esperei com muita ânsia pelas 10h da manhã.
Foi essa a hora combinada para eu e a Lúcia nos encontrarmos no topo do nosso caminho de terra, aqui na montanha, hoje, dia 22 de Julho. O dia que nos dava mais jeito e que percebemos, mais tarde, que é o dia de Celebração de Maria Madalena.
Sem combinarmos, vestimos as duas de vermelho. Com as costas bem visíveis, nuas. Ambas com os nossos Lenços de Viana vermelhos prontos a serem usados em ritual. Eu coloquei os meus brincos vermelhos também (nota mental: comprar ou fazer um baton vermelho). Estávamos de partida para Moura da Serra e para Mourísia; duas aldeias que ficam a 20 minutos de distância e que, pelos nomes, me senti atraída. Afinal, as Mouras são parte integrante da "Luzitana". Fiz a minha pesquisa sobre estas aldeias e nem quis acreditar naquilo que descobri! Mas isso já vos revelo mais à frente.
Fizemos um pequeno desvio para Côja para podermos ir buscar os livros. Lá estavam eles! Só quando chegamos a Mourísia, abri a caixa. Quis fazê-lo em poupa e circunstância, pois a Luzitana merece. E todas as mulheres que para este livro trabalharam também.
Primeira paragem: Mourísia
Escolhas intuitivas em sintonia uma com a outra.
Mal entramos na aldeia foi notório que poucos habitantes lá estavam. Estacionamos à beira da fonte que indicava o caminho para o grande castanheiro. Bebemos água da fonte e, intuitivamente, seguimos o caminho do Castanheiro.
Pelo caminho, os campos lavrados pela Lavradeira e/ou pelo Lavrador. Sistemas de rega inteligentes que fazem poupar tempo e água - as levadas e os regos que levam a água a todas as plantas. Cardos secos pelo sol e cortados para que o caminho fosse transitável. Acabamos por descobrir que foi o Sr. Alfredo que conhecemos mais tarde, que para chegar às suas ovelhas, teve de roçar todas as ervas altas. Paramos quando mais não podíamos passar. Escolhemos a sombra de um castanheiro, mesmo ao lado de uma levada, para parar e sentir a Moura na Mourísia.
Ouvimos a Moura, escrevemos, saboreamos mel de rosa, colhemos rosas vermelhas, oferecemos uma rosa ao castanheiro e sentimos o que que estava disponível.
Curvas acentuadas Triângulos incorpados No verde do silencio se mostram Banhado na sua origem pela agua mãe Que tudo purifica Que tudo cura Que tudo envolve Ai o triângulo (yoni) renasce, impodera e cria Sento/sinto-me a frente de um castanheiro Também ele me mostra o yoni Que nasce da bifurcação de um tronco forte Agora são dois troncos Que sobem e florescem fortes e erguidos Mas o centro continuo visível assim como o yoni formado pelos dois. O sino toca As abelhas foram honradas através seu nectar aromatizado com rosas Parece que as ouço por aqui, bzzzzz bzzzzz Ouço também o telintar do rebanho que parece uma sinfonia E no fundo sempre a agua A agua que circula, que move, que limpa. A terra parece que vibra debaixo dos meus pés O que se passou aqui? Que historia contas?
Pela Lúcia
Amor à terra
Amor aos montes
De montes de mulheres
De caminhos de pés andados
De pernas cansadas
Austera
Forte
Capaz
Filha da Moura
Moura sou
Não sou mais pequena
Mas sou noutra dimensão
Sofri, mas resiliei
Estou aqui e Sou
Protejo
Protejo os aventureiros, os que andam em viagem.
Protejo os homens
Vês os homens?
São os homens que decidiram ficar
Alguns nasceram aqui, outros estavam de passagem e enfeitiçaram-se
Sou Moura, sou feiticeira
Faço e sou magia
A água é o meu sangue
E estas árvores são as minhas companheiras
Atenta às pedras
Atenta a mim
Toca-me e sente-me
Sou forte e espalho-me por todo o lado
Sou estas montanhas
Seios de mulheres
Tenho a minha linguagem
Ouves-me?
Ouve-me
(Neste momento, o lavrador começa a falar, ou será a lavradeira?)
(A água move-se, as aves cantam)
(As cigarras, o sino da igreja, as ovelhas, o som das folhas do castanheiro ao vento)
(A mulher ao longe)
Surgiu a imagem de um dragão branco.
Por mim
Mais tarde, ao subir, conhecemos o Sr. Alfredo e a sua esposa. Mal nos olhavam nos olhos, mas olharam-nos de cima a baixo. Talvez estivéssemos a revelar mais pele do que eles estão habituados a ver, talvez seja estranho estarem duas mulheres e um cão naqueles campos. Falamos sobre serem dali, nascidos ali, do castanheiro que ardeu em 2017 e das terras abandonadas pelo ICNF. Sentimos a sua timidez, mas também a sua resiliência. Porque ali estavam a alimentar as ovelhas, prontos para abrirem a porta de forma a libertá-las no campo. Estava calor, sol forte que queimava a pele, mas isso não os parou, porque a Moura é mesmo assim. A Moura é resiliente, protege-se escondendo-se atrás de roupas que não revelam as suas formas e que, por ventura, escondem a sua selvagem relação com a Natureza. Parece tudo muito controlado e seguro, mas a pergunta surgiu para mim e para a Lúcia: como se encontram a Moura e a Maria Madalena? O que têm em comum e o que as separa?
Uns metros acima, encontramos uma senhora com um garrafão de água. Mal viu cumprimentou-nos, olhando-nos nos olhos. Curiosa para saber quem éramos e o que estávamos ali a fazer. Recusou-se a dizer-nos o seu nome. Nem comigo a apresentar-me ela se revelou! Disse não ter conhecimento de qualquer lenda referente às Mouras e seguiu-nos estrada fora. Balbuciava algo a uns metros de distância, nas nossas costas; fiquei sem perceber se queria falar ou não. Deveria parar para falar com ela? Porque já nos tínhamos despedido e o interesse dela em revelar-se e a sua "Mourês" foi nulo.
Segunda paragem: Moura da Serra
Decidimos almoçar na Moura da Serra, a uns cinco minutos de distância dali.
Paramos mesmo ao lado da Igreja. Os bancos de um mini-jardim acolheram-nos. Conversas profundas. Li um dos "Contos da Serpente e da Lua", um dos livros da Sofia Batalha. Contos inspirados nas Mouras. este conto inspirado no Capuchinho Vermelho, inspirou-nos a nós e devolveu-nos o encantamento das Mouras que carregamos no sangue.
Caminhamos na vila, colhendo plantas e flores, admirando as casas e cumprimentando os poucos que se mostravam. Paramos na Santa Filomena. Oramos a sua oração na "Igreja de Verão", tocamos o adufe e partilhamos a nossa experiência dessas palavras de fé. Em resistência e compreensão, foi evidente que essa fé nos é comum e que não cremos num "Deus lá em cima" e na crença da divisão linear entre a Santa e a Puta. Afinal, quem éramos nós ali, vestidas de vermelho e beje, de costas desnudadas, sentadas nos bancos de uma igreja a tocar o pagão adufe e a verbalizar orações católicas?
Seguimos os passos até a uma grande cerejeira. Sentimo-la e decidimos ser a hora de voltar ao carro.
O Mateus (o meu cāo) seguiu-nos sempre, explorando com o seu nariz todos aqueles cantos.
Admiramos o grande castanheiro ao lado da Igreja.
De saída, observamos a triangularidade de 3 árvores na Moura da Serra: 2 cerejeiras e 1 castanheiro (a terceira não vimos de perto). A Santíssima Trindade em protecção destas guardiãs sagradas. E umas “caras” na parede de uma casa. Lembraram-nos as gárgulas.
A energia da Mourísia foi sentida de forma diferente de Moura da Serra. A primeira leve, livre, solta e a segunda pesada e muito escondida. Ouvindo um mantra a Maria Madalena trouxe-nos alegria e leveza.
Percebo que tinha imensas expectativas sobre estes locais. Expectativa em ver pedras grandes, círculos de pedras, pinturas rupestres, castanheiros gigantes e os habitantes contarem histórias e lendas que eu vi referidas nas minhas pesquisas antes de visitar estes locais. Talvez estivesse à espera de sentir algo específico. Mais tarde, percebi, que a Moura trabalhou forte em mim e na Lúcia. Partilhamos textos sobre a Maria Madalena e dragões. Imagens que nos faziam lembrar o dia e aquilo que sentimos.
A Moura abriu-nos e sentimos o gerúndio da transformação. A Moura acordou em nós e vai-se revelando a cada minuto, encontro e acção. Deixou-nos o sentir forte do amor que sentimos uma pela outra e da sororidade. A força, resiliência, perseverança e enraizamento na nossa terra.